Hermenêutica

Hermenêutica

 

Hermenêutica

 

Conceito

 

I – O QUE É HERMENÊUTICA

1.1.  INTRODUÇÃO À HERMENÊUTICA

 

a) Introdução às questões fundamentais de Hermenêutica

Hermenêutica é um ramo da filosofia que se debate com a compreensão humana e a interpretação de textos escritos. A palavra deriva do nome do deus grego Hermes, o mensageiro dos deuses, a quem os gregos atribuiam a origem da linguagem e da escrita e consideravam o patrono da comunicação e do entendimento humano.

A Hermenêutica é um problema fundamental da atualidade. Assim como o termo deriva do uso linguístico da teologia, também o problema objetivo que ele designa se tornou mais incisivo, sobretudo nas questões da justa compreensão biblico-teológica. Entretanto, essa questão acha-se intimamente conexa com o problema mais vasto da “compreensão” no âmbito histórico e em geral no das ciências do espírito. Toda compreensão e interpretação, porém, tanto no sentido biblico-teológico, como no histórico ou no das ciências do espírito, remonta essencialmente a pressupostos cuja investigação e esclarecimento é tarefa da filosofia. Dessa maneira, formulam-se questões de importância básica para a filosofia em geral, ou seja, para sua possibilidade e metodologia simplesmente. O problema da hermenêutica torna-se assim um problema fundamental – talvez pudêssemos dizer:  o  problema fundamental – no pensamento filosófico do presente. É o problema que tencionamos percrustar nas páginas que seguem.

O termo “hermenêutica” provém do verbo grego hermeneuein (hermeneuein) e significa  declarar, anunciar, interpretar ou esclarecer, e por último, traduzir. Apresenta pois, uma multiplicidade de acepções, as quais, entretanto, coincidem em significar que alguma coisa é “tornada compreensível” ou “levada á compreensão”. Isso acontece em qualquer enunciado linguístico, que pretenda despertar uma compreensão, tornando algo inteligível. É o que sucede, principalmente, na interpretação ou esclarecimento de um enunciado talvez obscuro, de difícil compreensão, como por exemplo, um texto histórico ou literário, cujo sentido não aparece imediatamente, mas deve antes ser tornado compreensível. E, por último, tal coisa ocorre na traduçaõ de um texto, visto que toda tradução consiste na transposição de um complexoo significativo para outro horizonte de compreensão linguística. Não há certeza filológica, mas só probabilidade, de que a palavra derive de Hermes*, o mensageiro dos deuses, a quem se atribui a origem da linguagem e da escrita. O certo é que já em grego o termo significava de preferência, embora não exclusivamente, a compreensão e a exposição de uma sentença dos deuses, de uma mensagem divina, como, digamos, de um oráculo de Delfos, o qual precisa de uma interpretação para ser apreendido corretamente, ou seja, “levado à compreensão”. Dessa forma, o termo referia-se desde então a uma dimensão sacra: a compreensão e a interpretação de uma palavra divina.

É por isso que a palavra “hermenêutica” foi primeiramente empregada no domínio teológico, surgindo, porém, apenas na era moderna – como título de livro, encontra-se desde os séculos XVII e XVIII – no sentido de uma “arte da compreensão” ou de uma “doutrina da boa interpretação”, a saber,  no sentido bíblico de uma interpretação correta e objetiva da Escritura.

O problema, entretanto, é muito mais antigo e mais amplo. Não é somente a Escritura Sagrada que sempre apresentou problemas de interpretação. Também nos textos profanos surgiu a questão de um modo correto de interpretar os textos. Obras literárias, testemunhos históricos, velhos textos legislativos etc, devem ser compreendidos corretamente e interpretados num sentido que será talvez, portanto, encarado neste contexto mais amplo.  A Hermenêutica bíblica, por um lado, tem muita afinidade com a Hermenêutica histórico-filológica, dado que cumpre, em primeiro lugar, tratar e compreender os textos da Escritura (fazendo-se abstração do seu conteúdo de Revelação divina) como testemunhos literário-históricos, iguais a outros textos escritos do mesmo gênero. Por outro lado, a hermenêutica bíblica tem certo parentesco com a jurídica, enquanto em ambas se trata de textos que falam normativamente e autoritariamente, tendo por si pretensão de validez e obrigatoriedade, e nesse sentido são apresentados ao intérprete, para serem compreendidos e expostos em todos os seus detalhes com esse caráter. Depara-se-nos assim um horizonte mais vasto em que se insere o problema bíblico, embora afinal ele ocupe uma posição singular, enquanto se trata da palavra de Deus, mas transmitida numa palavra humana e histórica, isto é, em escritos elaborados pelos homens, surgidos na história e transmitidos por ela, devendo, portanto, ser investigados conforme sua origem histórica, seu modo de pensar histórico e sua maneira de falar. Ao mesmo tempo, porém, cumpre indagar qual seu sentido mais profundo e mais próprio, a saber, a palavra da Revelação divina, que neles nos fala.

Como se vê hoje mais que nunca, cumpre enquadrar o problema da hermenêutica bíblica num amplo contexto das ciências do espíriro e sobre o fundo dos pressupostos teórico-científicos, metodológicos e também filosóficos postos em evidência desde Schleiermacher* depois particularmente por Dilthey* e Heidegger*, terminando recentemente por Gadamer*, herdeiro e continuador dessa tradição.

Mas também por isso, no campo teológico, o significado da palavra “hermenêutica” mudou profundamente nos últimos decênios. Esta chamava-se primeiramente a “arte” da compreensão, com ciência prática, que formulava as regras de uma correta interpretação da Escritura, e portanto relacionava-se imediatamente com a “práxis” do trabalho exegético, servindo a ele. Para este,exigia-se, a fim de ser levado a efeito corretamente, o conhecimento das respectivas línguas, do ambiente histórico e cultural em que a obra surgiu, a consideraçao da peculiaridade literária e estilística, da situação concreta e da intenção do autor, a interpretação do texto em particular através do contexto etc. Somente a mais nova Hermenêutica, influenciada pelas ciência do espírito e pela filosofia, mostrou gradativamente que subjazem a isso tudo problemas mais profundos e mais fundamentais. Que significa afinal “compreender”? como é possível uma compreensão histórica, desde que cada um tem seu horizonte de compreensão, histórica e linguísticamente concreto, que o antecede e ao qual se acha preso, condicionando uma determinada “compreensão” do objeto? Existirá algo como um encontro ou uma fusão de vários horizontes históricos da compreensão? Será que isso é possibilitado pela própria história, a saber, por uma conexão histórico-causal, onde a palavra historicamente pronunciada se efetua e interpreta no decorrer da história, penetrando em nosso próprio horizonte da compreensão e tornando assim possível a compreensão dos testemunhos de um passado histórico? E não há na base de tudo isso um entendimento mais original como condição de possibilidade de compreensão histórica, isto é, uma autocompreensão e compreensão do ser originalmente humana, mas que se interpreta historicamente? Não se coloca, porém, aí insistentemente a questão da verdade? Desaparece, de todo, nosso conhecimento num caráter histórico-causal que condiciona o horizonte sempre mutável da compreensão historica? Ou será que nos atinge, na própria história, a exigência absoluta da verdade? O que significa essa exigência e como podemos compreender-lhe?

Essas perguntas indicam já a problemática filosófica contida na palavra hermenêutica, como a entendemos hoje. Não se trata apenas do problema da interpretação teológica da Escritura, nem se trata somente das questões mais amplas da compreensão e interpretação históricas das ciências do espírito, mas sim do problema fundamental de ordem filosófica a respeito da compreensão em sua essência e em suas estruturas, suas condições e seus limites.

 Referência Bibliográfica

CORETH, Emerich. Questões fundamentais de hermenêutica. Trad Carlos Lopes Matos. São Paulo: EPU, 1973(pags1-4)

 

b) Origem do termo

O termo "hermenêutica" provém do verbo grego "hermēneuein" e significa "declarar", "anunciar", "interpretar", "esclarecer" e, por último, "traduzir". Significa que alguma coisa é "tornada compreensível" ou "levada à compreensão".

Filosoficamente têm-se que o termo deriva do nome de Hermes. O certo é que este termo originalmente exprimia a compreensão e a exposição de uma sentença "dos deuses", a qual precisa de uma interpretação para ser apreendida corretamente.

Encontra-se desde os séculos XVII e XVIII o uso do termo no sentido de uma interpretação correta e objetiva da Bíblia. Spinoza* é um dos precursores da hermenêutica bíblica.

Outros dizem que o termo "hermenêutica" deriva do grego "ermēneutikē" que significa "ciência", "técnica" que tem por objeto a interpretação de textos religiosos ou filosóficos, especialmente das Sagradas Escrituras; "interpretação" do sentido das palavras dos textos; "teoria", ciência voltada à interpretação dos signos e de seu valor simbólico.

 Hermes

Hermes, por Praxíteles

Hermes, mensageiro ou intérprete da vontade dos deuses, (daí o termo Hermenêutica) era um deus da mitologia grega, correspondente ao Mercúrio romano. É um dos 12 deuses do Olimpo. Filho de Zeus e de Maia,, nasceu na Arcádia, revelando logo extraordinária inteligência. Conseguiu livrar-se das fraldas e foi a Tessália, onde roubou parte do rebanho guardado por seu irmão Apolo,  escondendo o gado em uma caverna. A seguir voltou para o berço, como se nada tivesse acontecido. Quando Apolo descobriu o roubo, conduziu Hermes diante de Zeus, que o obrigou a devolver os animais. Apolo, no entanto, encantou-se com o som da lira que Hermes inventara e ofereceu em troca o gado e o caduceu. Mais tarde, Hermes inventou a siringe (flauta de Pã), em troca da qual Apolo lhe concedeu o dom da adivinhação.Foi famoso também por ser o único filho que Zeus tivera que não era filho de Hera,que ela gostou,pois ficou impressionada pela sua intêligencia

Divindade muito antiga, Hermes era invocado, a princípio, como deus dos pastores e protetor dos rebanhos, dos cavalos e animais selvagens; mais tarde tornou-se deus dos viajantes, e em sua homenagem foram erguidas estátuas à beira das estradas (hermas). Posteriormente, Hermes tornou-se deus do comércio e até dos ladrões; para proteger compradores e vendedores, inventou a balança. Hermes era quem guiava as almas dos heróis ou pessoas importantes até o rio Estige, lugar que ligava o reino dos vivos com o reino dos mortos. Também considerado deus da eloqüência e patrono dos esportistas, é representado como um jovem de belo rosto; normalmente nu, vestido com túnica curta. Na cabeça tem um capacete com asas, calça sandálias aladas e traz na mão seu principal símbolo, o caduceu.

Hermes é o pai do deus Pã, fruto dos seus amores com a ninfa Dríope,. Ela não foi a única mortal, nem a única deusa, honrada pelos seus favores; teve ainda como amantes, Acacalis, filha de Minos; Herse, filha de Cécrops; Eupolêmia; Antianira, mãe de Equion; Afrodite, a deusa do amor, com quem teve Hermafrodito; a ninfa Lara, náiade de Almon; e finalmente sua irmã, a deusa Perséfone, a quem pediu em casamento para Deméter, mãe da moça, que recusou o pedido. Mas foi Hermes quem tentou resgatar Perséfone do reino dos mortos quando ela foi seqüestrada por Hades.

Hermes Trismegistus

 Trimegistus

Hermes Trismegistus é a expressão em latim para "Hermes o Três-Vezes-Grande" derivado do grego Ερμης ο Τρισμεγιστος. Ele foi um personagem histórico ou mítico do antigo Egito. Em seu aspecto mítico ele foi uma deidade sincrética que combinava aspectos do deus grego Hermes e do deus egípcio Thoth.

Hermes foi considerado, no Egito Helenístico, o Mensageiro dos Deuses, por ter transmitido os seus ensinamentos a este grande povo da antigüidade e ter implantado a tradição sagrada, os rituais sagrados, e os ensinamentos das artes e ciências em suas escolas da sabedoria.

Thot, por seu lado, simbolizava a lógica organizada do universo, estando relacionado aos ciclos lunares a qual em suas fases expressa a harmonia do universo. Também era considerado como deus do verbo e da sabedoria e foi naturalmente identificado com Hermes.

A Hermes Trismegistus foi atribuída a escrita de 42 livros sobre medicina, a astronomia, a astrologia, a botânica, a agricultura, a geologia, as matemáticas, a música, a arquitetura, a ciência política. Entre eles se encontra "O Livro dos Mortos" que é também chamado de "O Livro da Saída da Luz", a coleção literárica conhecida como Corpus Hermeticum, e é-lhe também atribuído o mais famoso texto alquímico, a "Tábua de Esmeralda".

 

c) O conceito de Hermenêutica

Para Schleiermacher a hermenêutica não visa o saber teórico, mas sim o uso prático, isto é, a praxis ou a técnica da boa interpretação de um texto falado ou escrito. Trata-se aí da "compreensão", que se tornou desde então o conceito básico e a finalidade fundamental de toda a questão hermenêutica. Schleiermacher define a hermenêutica como "reconstrução histórica e divinatória, objetiva e subjetiva, de um dado discurso".

Os eventos da natureza devem ser explicados, mas a história, os eventos históricos, os valores e a cultura devem ser compreendidos. (Wilhelm Dilthey é o primeiro a formular a dualidade de "ciências da natureza e ciências do espírito", que se distinguem por meio de um método analítico esclarecedor e um procedimento de compreensão descritiva.) Compreensão é apreensão de um sentido, e sentido é o que se apresenta à compreensão como conteúdo. Só podemos determinar a compreensão pelo sentido e o sentido apenas pela compreensão. Toda compreensão é apreensão de um sentido. Scheleiermacher faz distinção entre compreensão divinatória e comparativa:

  • Compreensão comparativa: Se apóia em uma multiplicidade de conhecimentos objetivos, gramaticais e históricos, deduzindo o sentido a partir do enunciado.
  • Compreensão divinatória: Significa uma adivinhação imediata ou apreensão imediata do sentido.

Heidegger, em sua análise da compreensão, diz que toda compreensão apresenta uma "estrutura circular". "Toda interpretação, para produzir compreensão, deve já ter compreendido o que vai interpretar".

 

Referência Bibliográfica

Disponível em http://www.wikipédia.com.br HERMES/ acesso em 29/02/2012.

 



AULA 2


 

TRÊS ACEPÇÕES DE HERMENÊUTICA

(PALMER, 1969: 23-41)

O texto de Richard E. Palmer trata simplesmente da origem da palavra hermenêutica, que viria do grego e cujo significado seria “interpretar”, “interpretação”. O autor ainda apresenta três vertentes de significação da hermenêutica e contextualiza-as através de uma interpretação no âmbito literário e bíblico.

Segundo Palmer, a hermenêutica teria se originado de duas palavras gregas: “hermeneuein” (interpretar) e “hermeneia” (interpretação), relacionadas a um deus da mitologia grega (Hermes) o qual descobriria a escrita e a linguagem para serem utilizadas para a compreensão humana a fim de chegar ao conceito das coisas e passá-la aos outros e cuja função seria transformar algo incompreensivo a mente humana em algo que chegue a inteligência humana. Deste modo, as palavras “hemernêutica” e “hermenêutico” se originam de um processo de tornar algo compreensível, principalmente através da linguagem que é um dos meios para se conseguir tal compreensão. Este processo apresenta três vertentes básicas, que seriam: exprimir ou dizer algo; explicar (como tentar explicar uma situação); e traduzir (como tentar traduzir uma língua estrangeira).

De acordo com o texto, a primeira significação de hermeneuein seria algo relacionado a exprimir, afirmar, já que vem do latim sermo (dizer) e verbum (palavra). No plano teológico, está relacionada à Palavra apresentada por um sacerdote no intuito de afirmar e anunciar algo, ou seja, proclamar, sendo “um mensageiro de Deus para o homem”. Exemplo é o livro Íon de Platão, em que Homero é interpretado através de certas entoações a fim de passar uma compreensão maior do que é indagado. Desta forma, esta compreensão vem de uma interpretação originada de um dizer ou uma recitação oral, que, por muitos literatos, é desprezada ou esquecida. Além do mais, a forma escrita é um distanciamento da fala, já que toda forma escrita tenta uma troca, uma aproximação com a forma falada.

A teologia deverá, então, expressar a palavra de acordo com o momento histórico e a língua de cada época, devendo também usar o vocabulário da época. Lutero e São Paulo asseveravam que a “salvação vem pelos ouvidos”. Já no espaço literário, o “dizer” se refere a uma interpretação feita sobre um estilo desta área, ou seja, seria a forma como dizê-lo ou através da linguagem escrita ou de uma recitação oral, sendo esta mais facilmente compreendida do que a primeira, pois, desde sua origem, a língua é mais praticada dentro da retórica. No entanto, esses dois lados da linguagem apresentam uma contradição: é preciso ter uma compreensão sobre algo para depois ter compreensão de uma leitura-expressão interpretativa. Outro tópico também importante nesse assunto, é a forma da leitura de um texto literário: quando é silenciosa, disfarça-se como uma interpretação oral; como também acontece com a compreensão que é tanto aplicada nessa interpretação oral como na interpretação de uma obra literária como um todo.

A segunda vertente de hermeneuein é caracterizada pela palavra “explicar”. Assim, a interpretação de uma situação surgiria de um plano discursivo da compreensão explicativa. Por conseguinte, de acordo com as palavras do autor, quando cita Aristóteles, essas explicações/interpretações não são juízos que tendem necessariamente para um uso, mas são para explicar o que é falso ou verdadeiro através de uma enunciação que, para o filósofo, não é uma mensagem vinda de algo divino, entretanto do raciocínio lógico da pessoa, sendo dividido em três partes: a compreensão básica dos objetos; as operações de composição e de divisão; e operações que partiam do conhecido para o desconhecido. Assim, tanto no âmbito teológico quanto no literário deve-se entender o contexto, ou seja, a situação em que os textos (divinos ou literários) são produzidos para se compreender o assunto, como afirmava o oráculo dos Delfos: que o conceito de uma situação era levado a uma situação de algo verbal, ou seja, era necessário dizer ou enunciar algo, como também interpretá-lo, explicá-lo.

Pode-se falar, por conseguinte, que a explicação tem que ser vista na situação de uma explicação ou interpretação mais aprofundada através do uso de ferramentas que a possibilitem, sendo assim já uma tarefa compreensiva.

Na área teológica, a hermenêutica aparece no Novo Testamento, Lucas 24, 24-27, em que Cristo cita e explica os textos em função de si mesmo no contexto do seu sofrimento de forma que citava os textos antigos. Nesse aspecto, a hermenêutica vem aparecer no sentido de explicar o texto a partir de um contexto, mostrando, desta forma, o campo da compreensão.

Na área da interpretação dos textos, os teólogos a dirigem para o feitio “para nós”, que seria a intenção textual, isto é, para quem a explicação se dirige, o que nos torna conscientes de que a produção dos textos depende do contexto em que ele se encontra.

Já no âmbito literário, a interpretação que é feita ocorre de uma forma mais ampla através de uma interpretação oral, sem excluir o campo explicativo dessa interpretação. Mas para que se faça uma análise do texto, deve-se primeiro compreender o assunto de que o texto trata e a situação em que este se encontra para se chegar ao seu significado. Então, vai se percebendo que quanto mais o autor do texto explica as visões de “dizer” e “compreender”, o desenvolvimento da interpretação vem à tona. Para isso, deve-se primeiro ter a leitura para aprimorar a performance e, assim, compreendê-la.

A terceira e ultima vertente para hermeneuein seria “traduzir”, significado que pode causar um choque entre o mundo do texto e o de seu autor devido à necessidade de se compreender a língua de origem do texto.

Ao traduzir um texto, deve-se tomar consciência de que existe uma diferença cultural entre as duas línguas e que cada uma possui interpretações diferentes de mundo. A Bíblia, por exemplo, causou grandes problemas para a tradução em geral, uma vez que foi escrita há muitos anos e vinda de um mundo totalmente diferente do nosso moderno. Como Richard Palmer exemplifica, a frase de S. Paulo “Cumprimentai-vos uns aos outros com um santo beijo”; o beijo era apenas uma forma de se cumprimentar na época. No século atual, dever-se-ia trocar “beijo” por “aperto de mão”.

Portanto, devem-se reconhecer os vários horizontes existentes entre as línguas para não ocorrer nenhum problema no âmbito linguístico para que não ocorra nenhum choque de compreensão. Numa análise de uma obra literária, por exemplo, o autor deve estar atento para dois pontos importantes: ao sentido da realidade e ao modo de mundo relacionado à obra. Deste modo, a tradução é um fator importante para a construção de uma compreensão que deve existir entre o universo do tradutor e a obra em que ele atua através do uso sensato dos sentidos através dos elementos gramaticais.

 

REFERÊNCIA

PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1969 (p.23 a 41 - Resumo)

 

 


 

AULA 3


 

 

SEIS DEFINIÇÕES MODERNAS DE HERMENÊUTICA

 

Cada uma das seis definições modernas de hermenêutica indicam um momento importante ou uma abordagem diferente do problema da interpretação.

As diferentes definições surgem, nos tempos modernos, em função da ampliação do campo da Hermenêutica, ou seja, desde que se tornou “ciência da interpretação” ela tem assumido pelo menos seis definições diferentes em função do que se toma como sendo seu campo específico.

 

 Hermenêutica Bíblica

O termo “Hermenêutica” foi utilizado pela 1ª vez em 1664, e apareceu como um “método de exegese” (compreensão geral) do texto. Portanto, o significado mais antigo de hermenêutica é o de interpretação da Bíblia.

Com o surgimento do protestantismo, que não estava submetido à “autoritás”, nasce a necessidade de se criar manuais que levassem à correta interpretação da Sagrada Escritura. Com isso foi criada uma teoria da exegese bíblica, ou hermenêutica bíblica, a qual se constituiu, na verdade, como um “método”.

 

Hermenêutica Filológica

 Com o surgimento do racionalismo e do método critico, surge a necessidade de uma interpretação racional da Bíblia em detrimento da interpretação Tradicional. Nesse sentido é que temos a hermenêutica filológica como uma metodologia filológica geral que desenvolvia técnicas de análise gramatical e histórica salutares, onde a Bíblia receberia um tratamento aplicável a todas as obras. Passou-se a interpretar a Bíblia de forma mais refinada e racional, considerando as diferenças históricas e as verdades morais subjacentes aos “mitos”.

A hermenêutica filológica propõe uma teoria secular do texto bíblico, pois se trata de uma “desmitologização” do mesmo. Seu principal objetivo era fornecer ao homem do iluminismo a racionalização necessária para a análise bíblica.

 

Hermenêutica Científica (ou Ciência da compreensão linguística)

A hermenêutica científica procurou ultrapassar o conceito de hermenêutica como conjunto de regras avançando em direção a uma verdadeira “ciência que descreve as condições da compreensão”, em qualquer diálogo, passando a ser definida como hermenêutica geral.

Com Friedrich Ast ela se preocupou com a compreensão gramatical e a compreensão histórica. Com August Wolf ela entrou também no campo da filosofia e se tornou “a ciência das regras pelas quais se reconhece os sentidos dos signos”. Ambos avançaram sobremaneira na direção de tornar a hermenêutica uma ciência, mas se limitam na compreensão do texto como “objeto”, mas não o vem ainda como “obra” e exatamente por isso negligenciam completamente o autor. Em função de suas analises, desenvolvem hermenêuticas específicas. Somente com Schleiermacher, a hermenêutica foi repensada como Hermenêutica Geral, ou seja, como ciência da compreensão.

Para Schleiermacher, a dificuldade da hermenêutica está no fato de que existem textos diferentes, e para interpretá-los foram desenvolvidos métodos diferentes. Entretanto, Schleiermacher observa que existe uma unidade em todos os textos, que é justamente a utilização da Linguagem. Portanto, o objeto da hermenêutica deve ser o “autor” e não o texto. Nesse sentido a hermenêutica passa ser a “arte da compreensão” a qual precisa despertar para a relação “circular” existente entre o autor e o ouvinte. E dessa proposição de Schleiermacher que nasce o conceito de “Círculo Hermenêutico”.

 

 Wilhem Dilthey propôs uma Hermenêutica como base metodológica das Geisteswissenschaften (= ciências do espírito humano) que compreendiatodas as disciplinas centradas na compreensão da arte, comportamento e escrita do homem. Ele defendia um ato de compreensão histórica, na interpretação das expressões essenciais da vida humana, seja ela do domínio das leis, da literatura ou das Sagradas Escrituras.

Dilthey afirmou que as Ciências humanas deveriam ser submetidas a uma “Crítica da Razão”. Inicialmente pensou-se que essa crítica poderia ser realizada pela psicologia (= coisas da alma do homem), entretanto, percebeu-se que a psicologia não é histórica. Sendo a historicidade o fator preponderante para a compreensão humana, a psicologia não ofereceria, então, as condições necessárias para realizar essa crítica. Somente quem poderá fazê-lo é a hermenêutica

A hermenêutica do Dasein ou Hermenêutica existencial proposta por M. Heidegger e depois por Gadamer, trata da fenomenologia da existência e da compreensão existencial. A própria realidade humana seria “linguística”, pelo que a hermenêutica mergulharia em problemas puramente filosóficos como a compreensão, a história, a existência e a realidade.

Para Heidegger, a função da Hermenêutica é a compreensão e interpretação das dimensões fundantes da existência humana.

Hans-Georg Gadamer afirma, ainda, que a Hermenêutica seria a união do ontológico com a fenomenologia, ou seja, ela seria a interpretação do ser histórico (ontológica) através da Linguagem (fenomenológica), ou dito de outra forma, a hermenêutica é a interpretação do ser histórico através da linguagem.

 

 Já a hermenêutica cultural, cujo maior expoente é Paul Ricouer, trata dos sistemas de interpretação usados pelo homem para alcançar o significado subjacente aos mitos e símbolos. A hermenêutica é o sistema pelo qual o significado mais fundo de um texto é revelado, para além do conteúdo manifesto, do significado superficial. Paul Ricoeur adota uma definição de hermenêutica como teoria das regras que governam uma exegese, “quer dizer, a interpretação de um determinado texto ou conjunto de sinais susceptíveis de serem considerados como textos”.

Para Paul Ricouer, há duas tendências atuais na hermenêutica vista como sistema de interpretação:

    a-Conservar os símbolos (culturais) e tentar recuperar o sentido da cultura. O expoente dessa tendência é Bultmann ao propor a “desmitologização” da cultura.

   b-Destruir o símbolo e torna-se uma iconoclasmo (da cultura). “desmitificação”. O expoente dessa tendência foram Freud, Marx e Nietzsche.

 

Segundo Paul Ricouer, não é possível haver regras universais para a exegese.

 

REFERÊNCIA

PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1969. P.43 a 54 (Resumo)

 

 



 

AULA 4

 



 

SCHLEIERMACHER E O PROJETODE UMA

HERMENÊUTICA GERAL

 

      DOIS PRECURSORES DE SCHLEIERMACHER

Para compreensão do contributo de Schleiermacher para o desenvolvimento da teoria hermenêutica faz-se necessário adentramos em sua época e no pensamento de dois contemporâneos seus: Friedrich Ast e Friedrich August Wolf.

Muitas das concepções deixadas por Schleiermacher permanecem importantes para hermenêutica até nos dias de hoje. Ele desenvolveu o seu conceito de hermenêutica a partir de conceitos formulados sobre a forma de máximas, num diálogo mais ou menos explícito com Ast e Wolf.

 

     AST

     Ast escreve duas grandes obras, sendo que a nos interessa por ter interessado a SCHLEIRMACHER chama-se “Elementos básicos da gramática, de Hermenêutica e de Crítica”, nela ele esclarece a finalidade e o objeto do estudo filológico. O objetivo essencial dele é captar o “espírito” da antiguidade, revelado com nitidez na herança literária.

       A filologia, para ele, não é uma questão de manuscritos poeirentos e de pedantismo gramatical, aborda o factual e o empírico como meios para alcançar o conteúdo externo e interno de uma obra, como uma unidade. O estudo da filologia tem valores espirituais, e serve a uma finalidade pedagógico-ética: assemelhar-se aos gregos. Destarte, a antiguidade se torna um paradigma da cultura artística e científica e da vida em geral.

          Geist é o ponto central de toda a vida e é o princípio que permanentemente a enforma. É a nossa participação comum neste elemento que nos possibilita apreender o significado dos escritos transmitidos desde a antiguidade. "O conceito de 'Unidade Espiritual' das humanidades é a base do conceito de Círculo Hermenêutico proposto por AST".

       A tarefa da hermenêutica é clarificar a obra por meio de seu desenrolar interno e de seu significado e a de relacionar cada uma das partes entre si e com o espírito da época. Ele divide tal tarefa em três:

  1. - compreensão histórica (relativa ao conteúdo da obra: artística, científica ou de caráter geral).
  2. - compreensão gramatical (na sua relação com a linguagem)
  3. - compreensão “geistige”, ou seja, compreender a obra na sua relação com a visão total do autor e com a visão total  - Geist - da época.

   Em AST encontramos algumas confecções básicas de SCHLEIRMACHER: o círculo hermenêutico, a relação da parte com o todo, a metafísica do gênio ou da individualidade.

         

     Há três níveis de explicação:

  1- a hermenêutica da letra que inclui a explicação das palavras, a explicação do contexto factual e histórico.

  2- A hermenêutica do sentido refere-se à exploração do gênio da época e do autor.

  3- A hermenêutica do espírito procura a ideia que controla a visão da vida e a concepção básica presente na obra.

   Outra ideia no pensamento de Ast (grande contributo) que anuncia futuras gerações em hermenêutica é o conceito do processo de compreensão que é visto como uma reprodução, ou seja, uma repetição do processo produtivo, tal visão é semelhante a de Schlegel, SCHLEIRMACHER, Dilthey e Simmel. No passado a interpretação não era considerada na sua relação com uma teoria da criação artística.

 

     FRIEDRICH AUGUST WOLF

     Friedrich August Wolf (1759-1824) foi um dos melhores filólogos e o que menos se importou com sistemas. Ele define hermenêutica como “ciência das regras pelas quais se reconhece o sentido dos signos”, essas regras variam de acordo com o objeto, desse modo tem uma hermenêutica para a poesia, para história e para o direito. Segundo ele o objetivo da hermenêutica é “captar o pensamento escrito ou mesmo oral de um autor como ele desejaria ter sido captado”. A hermenêutica tem duas principais vertentes: a compreensão e a explicação; o intérprete em sua explicação deve se basear na compreensão, e essa se distingue da explicação, é preciso também saber para quem se esboça a explicação.

   Há três níveis de interpretação que são: gramática (lida com tudo aquilo que a compreensão da língua pode fornecer), histórica (preocupa-se com os fatos históricos da época mais um conhecimento da vida do autor chegando assim a ter conhecimento daquilo que o próprio autor sabia: o intérprete deveria possuir todo o conhecimento histórico possível), filosófico (serve de verificação lógica ou para controlar os outros dois níveis). Esta abordagem sobre a hermenêutica contribui para introduzir a hermenêutica segundo Schleiermacher.

 

     O PROJECTO DE SCHEIERMACHER DE UMA HERMENÊUTICA GERAL

      O objetivo fundamental é construir uma hermenêutica geral como arte da compreensão, que servia como base e de centro a toda hermenêutica especial (filológica, teológica, jurídica). Mas faltava ainda a disposição para examinar o ato fundante de toda hermenêutica, o ato de compreensão, e o do ser humano que tem seus sentimentos e intuições; comparando com a religião Schleiermacher defende a hermenêutica quando relacionada com o ser humano concreto que existe e atua no processo de compreensão do diálogo. Para ele a hermenêutica lida com a operação de compreender aquilo que é dito: a hermenêutica transforma-se numa “arte da compreensão”. É nesse processo de falar e ouvir, processo misterioso de adivinhação que é o processo hermenêutico: é a arte de ouvir.

 

     A COMPREENSÃO COMO UM PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO

     Segundo Schleiermacher a compreensão entendida como arte é no sentido de voltar a experimentar os processos mentais do autor do texto. A interpretação consiste no momento gramatical e o psicológico, que formam um principio dessa reconstrução, que é o “círculo hermenêutico”.

 

     O CÍRCULO HERMENÊUTICO

  Compreendemos algo quando comparamos com algo que já conhecemos, daí compreendemos e agrupamos em unidades sistemáticas (ou círculos compostos de partes). A compreensão (do todo e a parte) dá sentido um ao outro e é, portanto ‘círculo’, daí o nome “círculo hermenêutico”, segundo ele há uma espécie de “salto” nesse círculo que nos possibilita compreender o todo e a parte; considera a compreensão como questão comparativa e em parte como intuitiva e divinatória. O círculo hermenêutico opera a nível linguístico mais também em nível do tema em causa, tanto aquele que fala como o outro que só ouve deve partilhar a linguagem e o tema, o princípio do círculo hermenêutico (ou conhecimento prévio) opera em todo o ato de compreensão.

 

INTERPRETAÇÃO GRAMATICAL E INTERPRETAÇÃO PSICOLÓGICA

     No pensamento mais tardio de SCHLEIRMACHER há uma tendência de separar a esfera da linguagem, da esfera do pensamento. A interpretação gramatical pertence a esfera da linguagem e ele a encarava como um momento negativo e limitado, ela usa o método comparativo e procede do geral para as particularidades do texto. A interpretação psicológica procura a individualidade do autor, o seu gênio particular, utiliza-se do método comparativo e divinatório (pelo qual nos transformamos no outro, para captar diretamente sua individualidade) Já estas duas formando uma unidade envolvem o especifico e o geral, sendo uma interpretação geral e limitativa, bem como individual e positiva.*

     Tudo isso, pois a hermenêutica visa a reconstrução da experiência mental do autor do texto, mas sem desejar compreende-lo de um ponto de vista psicológico e mas sim para ter um acesso mais pleno ao significado do texto.

     Faz-se necessário ainda compreender o estilo do autor do texto: “A compreensão do estilo é todo objetivo da hermenêutica”. 

     SCHLEIRMACHER desejava a “ciência”, ou seja, fazer uma unidade sistemática, encontrar um conjunto de leis pelas quais a compreensão opera.

     O pensamento de SCHLEIRMACHER possui um desenvolvimento que pode ser acompanhado em seus escritos. Na primeira fase ele defende que o pensamento de um indivíduo e seu ser são determinados pela linguagem, como ainda acontece hoje. Depois ele assume a posição psicológica, com a qual a hermenêutica visa ser arte de reconstrução de um processo mental, de um sujeito, contudo sem menosprezar o estilo.

 

 O SIGNIFICADO DO PROJETO DE SCHLEIERMACHER DE UMA NOVA HERMENÊUTICA

    Hermenêutica é a arte de compreender uma expressão linguística, exemplificando é o modo como uma criança capta o significado de uma nova palavra. É com a hipótese de Dilthey sobre um conhecimento válido que a tarefa da hermenêutica é descobrir as leis e os princípios da compreensão. Schleiermacher defende a legitimidade de uma arte geral da compreensão antes de qualquer arte especial (de interpretação), com isso ele ultrapassa a visão de hermenêutica como um conjunto de métodos acumulados por tentativas e erros. A interpretação literária atual deve cuidar da relação com a natureza geral de toda a compreensão linguística, sendo assim o que necessita agora é ter um novo principio que pondere o que é pertinente à interpretação, determinando um modo mais adequado sobre o que é, e o que faz a interpretação.

        Considera-se na hermenêutica de Schleiermacher outro elemento significativo o de compreensão “independentemente da sua relação com a vida”, que serviu de ponto de partida para o pensamento de Dilthey (compreender a parir da própria vida) e Heidegger (mesmo objetivo, mas de modo diferente e mais radicalmente histórico). Schleiermacher é considerado o pai da hermenêutica moderna enquanto disciplina geral a ponto de no século XIX ter influenciado nas teorias mais importantes de hermenêuticas na Alemanha.

  

Referência Bibliográfica:

PALMER, Richard E. Hermenêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 1969. p. 83-103.

 

Texto da Aula 4 elaborado pelos alunos:

Adailton Gomes Nogueira da Silva

Maik Alex Savazi de Souza

Filosofia – FARP – Ribeirão Preto – SP.